Vandana Shiva é uma das vozes mais expressivas do pensamento ecológico contemporâneo. Física teórica de formação, escritora, filósofa, ecofeminista e ativista ambiental, Shiva nasceu em 1952, na cidade de Dehradun, na Índia. Ao longo de sua trajetória, ela se destacou por unir conhecimento acadêmico com engajamento político, sempre em defesa do meio ambiente, das mulheres e das comunidades locais.
Fundadora da organização Navdanya, criada em 1987, Vandana Shiva dedicou-se à preservação das sementes nativas e à valorização dos conhecimentos tradicionais da agricultura. Seu trabalho teve impacto direto na vida de milhares de agricultores, encorajando práticas sustentáveis e orgânicas, e propondo alternativas ao modelo agroindustrial dominante. Sua atuação expressa um projeto de mundo que articula justiça ecológica, justiça social e soberania alimentar.
Ao longo de suas obras, Shiva constrói uma crítica potente ao paradigma científico moderno, que ela caracteriza como reducionista. Para a autora, a forma como a ciência dominante se desenvolveu, especialmente após a Revolução Científica dos séculos XV a XVII, está enraizada em uma visão mecanicista, fragmentada e hierárquica do mundo. Essa forma de ver e explicar a realidade, longe de ser universal, é, segundo ela, uma projeção específica do homem ocidental, patriarcal e voltada para o controle da natureza.
No entanto, sua crítica ao reducionismo não se limita à esfera epistemológica. Shiva mostra como esse modelo de ciência está diretamente ligado à organização econômica capitalista e às estruturas patriarcais de poder. Trata-se de uma ciência que exclui outros modos de saber, valoriza apenas o conhecimento técnico e separa o especialista daquilo que é estudado, desconsiderando a experiência direta como forma legítima de sabedoria.
Vandana Shiva aprofunda essa reflexão ao mostrar que essa lógica de exclusão afeta tanto a natureza quanto as mulheres. Uma vez que a exploração da natureza e a opressão das mulheres não são fenômenos isolados, mas expressões desse mesmo sistema de dominação, que trata tanto a terra quanto os corpos femininos como recursos disponíveis para controle e manipulação. Segundo a autora, a violência contra a Terra e a violência contra as mulheres estão profundamente entrelaçadas, tanto simbolicamente, ao moldar cosmovisões, quanto materialmente, ao impactar diretamente a vida cotidiana das mulheres.
Em muitas comunidades, especialmente as rurais, são as mulheres que mantêm uma relação cotidiana e direta com o ambiente. Elas são responsáveis por atividades como o cultivo dos alimentos, o cuidado com a água, a seleção e preservação das sementes, além da transmissão de saberes ligados à sustentabilidade da vida. Por isso, quando a terra é degradada ou apropriada, as mulheres são também as que mais sofrem as consequências dessa destruição.
Shiva mostra como essa lógica de dominação também se manifesta no campo da ciência e da medicina. A medicalização do parto, por exemplo, é para ela uma expressão clara da epistemologia reducionista: o corpo feminino passa a ser tratado como uma máquina, dividido em partes e gerenciado por especialistas. O conhecimento da mulher sobre seu próprio corpo e sobre o processo de dar à luz é deslocado e substituído pelo saber médico. O médico, e não a mulher, se torna o centro do nascimento.
Essa mesma lógica aparece na agricultura industrial. Assim como o corpo da mulher é fragmentado e controlado, a semente, símbolo da regeneração e da continuidade da vida, é transformada em um objeto técnico. Em vez de nascer da terra e da partilha entre os povos, ela passa a ser manipulada em laboratórios, artificialmente modificada, patenteada e controlada por grandes corporações. Esse processo reduz a semente a um produto sem capacidade regenerativa natural, rompendo com os ciclos orgânicos e os saberes ancestrais.
Ao traçar esse paralelo entre o corpo feminino e a semente, Shiva revela como o paradigma científico dominante atua sobre os processos vitais com a mesma lógica de controle. Tanto a vida que nasce da mulher quanto a vida que brota da terra são submetidas a uma racionalidade que busca maximizar a produtividade, centralizar o conhecimento e eliminar a autonomia. Para ela, esse modelo não apenas exclui outras formas de saber e de viver, mas compromete a própria sustentabilidade do planeta. Ao interromper os ciclos regenerativos, sejam eles biológicos, sociais ou culturais, ele coloca em risco a continuidade da vida.
Mas Shiva não se limita à denúncia. Ela propõe uma alternativa concreta: uma ciência que reconheça a complexidade, a interdependência e a pluralidade dos sistemas vivos. Uma ciência que valorize os saberes culturais, as experiências locais e a participação das comunidades. Ao fazer isso, ela defende um modo de conhecer que esteja comprometido com a vida, e não com a dominação.
Ao longo do tempo, Vandana Shiva tem sido uma liderança que inspira comunidades ao redor do mundo. Seu trabalho articula pensamento crítico e ação política, teoria e prática, ciência e espiritualidade. Em um tempo marcado pela crise ecológica, pelas desigualdades sociais e pela destruição dos saberes culturais, sua voz nos convida a imaginar outros caminhos possíveis.
Mais do que uma crítica à ciência, o pensamento de Vandana Shiva é um chamado à reconstrução de um projeto de mundo. Um mundo onde a vida, em todas as suas formas, seja o centro das decisões políticas, econômicas e científicas. Um mundo que abandone a lógica de progresso excludente e enxergue nas mulheres e nos povos tradicionais a força vital para reimaginar nossas formas de viver e coexistir.